terça-feira, 23 de janeiro de 2018

VIVER PARIS E MAIS


Fátima Ferreira
VIVER PARIS E MAIS  

Em Paris
almoço  apenas
no Quartier  Latin
num restaurante grego
qualquer.
Queijo feta,
salada de pinhões,
espetada de gambas,
Ali sinto-me em casa
verduras, peixe,
azeite, fruta.
Uma música de fundo
batida, sentida,
o mar à vista,
as gaivotas rodando
os navios que partem.
O mar chama-nos,
o princípio das coisas,
o nascimento da Europa.
Alheios à beleza da cidade luz
ali está um outro povo
acostada à Ágora
saudoso, melancólico

querendo hoje sobreviver.

UM DIA


Júlio Pomar
UM  DIA

Acordar
nesta manhã luminosa,
escolher o frango,
o tempero,
a cor do olhar.
Sacudir a toalha,
esticá-la na mesa,
colocar uma rosa vermelha
na jarra cobalto,
comprada na feira.
O coração a bater
assim que a chave
rode na porta,
sentir o gosto
de um beijo.
Esperar
que gostes do jantar
feito com muito carinho.
Ouvir-te, sempre,
com a cabeça pousada
no peito,
querendo que o cansaço
não me vergue,
comtar as estrelas

em cima do nosso lugar.

DANÇA DE SALÃO



Idalina Dionisio
DANÇA DE SALÃO  

Inscreve-se
na classe de danças de salão
três vezes por semana
com direito a um chá de limão
e duas bolachas de aveia.
Escolher o par ideal é difícil
se o objectivo é a dança
e não amizade colorida.
Da turma inicial de 20
na segunda semana eram 15.
no fim do mês
restavam dez.
O professor José
Desdobrava-se em requebros,
o tango na gala final
teria de ser perfeito.
Ela de negro vestido
sapato de tacão fino,
ele vestido à galifão,
calça preta, camisa aberta.
Os acordes de Garnel anunciam
vibrações extra-sensoriais
ganham a atenção
da pequena multidão
que aplaude de pé
a apaixonante dança.

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

CONFISSÃO



Sara Pérez Bello
CONFISSÃO

Marca-se um encontro
no coração da cidade,
a discussão é sobre nós.
Roda a moeda
quem paga o café,
cai não cai
o pingo escura da chávena
na seda da camisa branca.
Notei que me olhaste
tu que nem me vês,
torna-se sério o encontro.
Descalço as luvas de lã,
coisa de conforto,
para ouvir de verdade
o que cada um tem a dizer.

NOITE INVERNOSA


José González Collado
NOITE INVERNOSA  

Uma lata vazia
rola na rua húmida,
fria, encharcada
de poças de água.
Os pés escorregam
na viscosidade
lamacenta das ruas
conspurcadas…
A gabardine pinga,
dobra o guarda-chuva
a pressa é toda
para entrar na Império,
um galão a ferver
uma Glória crocante.
As pegadas  molhadas
ficam no hall,
o vento lá fora,
a sala é luminosa,
na mesa há papel,
caneta, inspiração,
tudo a postoa
nasça o poema.

INFÂNCIA



Rafael Diéguez Ferrer
INFÂNCIA  


Lembro-me
como um flash,
a criança loura,
de olho azul
sentada
no meio da escadaria
com saudades
da mãe que tardava.
A boca abre-se
de espanto,
solta-se o berro
logo que viu
quem a mãe trazia pela mão.
A irmã Luísa
de laçarotes brancos
enfeitando as tranças,
vestido curto e tufado,
sapato de verniz
de presilha ao lado.
Como ficou sentida
por ter sido preterida
de menina das alianças
no casameno
o da prima Dolores
só porque lhe caiu
ao mesmo tempo

os dois dentes da frente.