quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

DOMINGO



Victor Silva Barros
DOMINGO

Domingo
olhei pela janela
do quarto,
espreitei a rua estreita,
o café da esquina,
não te vi!
Memórias
é o que te traz
com o cabelo
despenteado,
ar cansado,
mas sempre pronto a lutar!
Segurei-me na cadeira,
li-te,
um  percurso sinuoso,
caindo, levantando,
mal amado,
prosseguindo!
Exististes,
aprendemos contigo,
sonhámos a partir de ti!
Do lado de lá da morte
não há jardins,
árvores de fruto,
olhos azuis!
A memória traz-te,
a pele tem um cheiro
raro,
a maresia,
o olhar, o rir,
ficou em nós!

COMPLEXIDADE

Collado
COMPLEXIDADE

Não sei
porque teimo
em alinhar versos
desconexados
com a conexão imposta!
Devia sentar-me 
a ler o jornal diário,
sublinhando
com olhos esbugalhados
os crimes constantes
da primeira página,
a imprensa cor-de-rosa
inventando factos
para vender mais!
O papel está vazio,
árido,
timidamente escrevo: amar,
não percebo
se é insistência minha
ou uma necessidade essencial
que me assiste!

PENSAR

Collado

PENSAR
  
Não há partida
nem dores no peito,
só uma mão acenando,
escrevendo: até amanhã!

PÊRA ROCHA

Collado

PÊRA ROCHA

Como  gulosa
a pêra rocha dourada,
o sumo escorre
entre os dentes e a língua,
numa cascata
sabendo a verão!
A natureza deu-ma
num Setembro solarengo,
guardando as sementes
para outros dias!

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

UM DIA

Collado
UM DIA

Estava deitada,
não esperava nada,
no dia que terminava!
Chegaste de mansinho,
silencioso,
vagabundo,
abriste a minha cama,
encostaste a tua pele
à minha pele!
Não sei se foi chama,
música sacra,
incenso,
champanhe francês
em flutes!
Tudo ardeu
nos olhos espantados
do quarto!

VERSOS

Collado
VERSOS 

São a casa grande
com um jardim imenso,
o caramachão de maracujás,
dando sombra o dia inteiro!
O cavaleiro andante
coberto de suor,
ferido na guerra
e mesmo assim
com uma rosa
presa aos dentes,
oferta para a sua dama!
O interior
de qualquer coisa boa
capaz de tocar,
de emocionar,
fazer rir, fazer chorar!
Assento firme
para me sentar
ao fim da tarde
quando abro um caderno
e escrevo!

CRESCIMENTO

Collado
CRESCIMENTO  

Crescemos silenciosos
porque ninguém nos ouvia,
na ausência de comunicar
acabámos surdos!
Havia hirtos, esquecimentos,
nada esperávamos
uns dos outros!
Cada um por si
e o destino por todos!
Afecto, amor,
era algo de romance,
rodeados de tantos
éramos ilhas,
suportando com dificuldade
a alma e o corpo!
Pergunto
se ainda nos lembrámos
dos olhos de cada um,
ausentes,
perdidos,
esperando no futuro
um encontro frutífero
com outra coisa qualquer,
mais quente
e aconchegante!

SILÊNCIO

Collado
SILÊNCIO  

O silêncio
vem antes
dos teus passos,
no corredor!
Alcanço o teu braço
e acompanho-te
até à sala de jantar!
É sempre tão pouco
o que dizes,
do teu dia a dia,
instala-se a distância
e eu volto a mim!

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

UM DIA INUSITADO

ADIASMACHADO
UM DIA INUSITADO  

Sentou-se o primeiro-ministro
à minha mesa,
sem ser convidado,
deixou ideias vagas
sobre o futuro comum
embrulhadas em nada!
É a nossa vida
cravada naquelas mãos,
não sabendo
o que fazer
à falta de tudo, até de pão!
Deixando desesperos de lado,
ataca com números,
a imposições de Berlim!
Nós, pombas mirradas,
apenas sobrevoamos,
de asa ferida,
neste país antigo,
dominado pelo medo!
À proa, volta gageiro,
traz de volta
esta nação imortal,
levantemos com fervor
a nossa vontade de mudar!

NOVOS CONQUISTADORES

Victor Silva Barros
NOVOS CONQUISTADORES

Constroem tronos
de sândalo e pérolas,
palácios inexpugnáveis,
no deserto,
rodeiam-se de servos
sem cérebro
e partem à conquista
do mundo!

MULHERES

Maria da Conceição Pombo
MULHERES

Dizem:
guarda as tuas coisas,
gosta de ti, evolui, cria,
procria, cuida,
ama, chora,
limpa as lágrimas,
prossegue,
levanta-te, tem postura,
ergue a cabeça!
Não queremos ser assim,
caímos,
 não nos  levantámos na hora,
gritámos, não impedimos o uivo,
não nos recolhemos,
expomo-nos,
somos vagabundas,
seguimos as pegadas dos lobos,
somos éguas,
adorámos o sol,
confundimo-nos  com a terra,
lambuzamo-nos de mel,
deitamo-nos estoiradas,
damos vivas à vida real,
adormecemos com a realidade!

INVERNO

Pilar Lópes Romano
INVERNO

As chuvas continuam
vergastam as janelas,
as vidraças enevoadas
escondem a paisagem!
Correm pelas colinas
as águas
que caem com ruído
nas valetas junto à casa!
Jardins vazios,
as sementes repousam
em silêncio
até à Primavera!
As ervas crescem
multiplicam-se,
apanham
palmo a palmo
a horta e o pomar!
A lareira é um refúgio,
frente a ela
fala-se de tudo,
do coração  parado,
dos sonhos  por realizar,
da colheita fraca,
do fumeiro  atrasado,
do restolho
que ficou por apanhar!
Dos arranhões da alma
das mãos que sangram,
das orações
frente ao oratório antigo,
do destino comum,
da neblina a dissipar-se,
das cerejeiras em flor
da vida a passar!

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

DESCULPA

Collado
DESCULPA

Desculpa pelos dias que vivi
sem precisar de ti,
não ouvindo o que dizias,
perdendo-me nos uivos
dos lobos!
Esperei o céu,
o céu não existe,
a terra não foi o suficiente!
Escrevi recados azedos
espalhados pelos pregos de casa,
não vi que um sorriso
é tão porto de abrigo
como um colo
oferecido num dia de frio!
Vejo agora
a vida espalhada em fotografias,
queria agarrá-la,
começar de novo,
ser outra coisa
porque não sei quem sou,
iluminar com o olhar
os momentos serenos
para viver amanhã!

FALAS

Carlos Dugos
FALAS

“O nosso Deus virá e não ficará calado,
à sua frente um fogo abrasador
ao seu redor uma forte tempestade”

(Salmo da colecção de Assaf)

Todos os rios correm para o mar,
é uma das verdades para acreditar,
os episódios passageiros
são apenas isso, passageiros,
os políticos que nos governam,
mais passageiros ainda,
diante da longevidade da História,
os desertos que criam
beliscam apenas a eternidade!
Entoam salmos salvadores,
mas corrámos à frente de todos,
para derrubar os muros
que nos estão a encarcerar!

POEMA

Carlos Dugos
POEMA

Este poema
é feito de palavras
agarradas
em todas as calçadas
por onde passei!
Tem pele, músculos,
osso, sangue,
aspereza, dor,
alegria, calor!
Gargalhadas duradouras,
água a escorrer
por entre as mãos!
Tem aromas,
frascos de especiarias,
potes de mel
colhido esta manhã,
 perguntas sem resposta,
respostas sem questões,
o mundo incompreensível
onde os cifrões
valem mais que as pessoas!

O FIM

Porfírio Alves Pires
O FIM

Na bandeja comprada
numa loja de canquilharia
barata,
pousa-se uma fatia
de bolo de iogurte,
que seca,
reza-se aflitamente
pela mãe em agonia!
A humidade da chuva,
caindo impiedosamente,
disfarça
os olhos marejados
de lágrimas!
As nuvens negras
pressentem tempestade,
e ensombram a sala!
Limpa-se com frenesim
a cozinha,
tudo brilha,
tudo  é desinfectado
para receber a morte!
O pensamento é maior
que o firmamento,
o que se disse
e não devia,
o que não se disse
e precisava de dizer-se!
Numa fracção de hora
a vida finita
torna-se eternidade!
Trememos  de frio
e colocámos
nas suas mãos
as moedas
devidas ao barqueiro
que a transportará
para o lado de lá!
Não culpámos ninguém
da partida,
partiu e pronto!